Recomendações do Colégio de Engenharia Civil para a Melhoria da Qualidade dos Actos Profissionais

O Colégio de Engenharia Civil da Ordem dos Engenheiros divulgou durante o dia de hoje uma série de recomendações aos seus membros, com o propósito da melhoria da qualidade dos actos profissionais.

1.      Introdução
Estando em curso mudanças legislativas importantes no sector da construção, considera oportuno a Ordem dos Engenheiros, através do Colégio de Engenharia Civil, formular recomendações que possam contribuir para a melhoria da qualidade da construção, designadamente dos actos profissionais praticados pelos seus membros. Esta é mais uma forma da OE demonstrar que está mais preocupada na defesa da qualidade do que no espaço e nos interesses dos seus membros.

Com efeito, embora com o carácter de simples recomendações, é importante sensibilizar os Engenheiros Civis, e demais agentes do processo construtivo, para a necessidade de intervenções mais qualificadas e responsáveis, contribuindo, assim, para a qualidade final das realizações, valorização da Engenharia e dos Engenheiros, clarificação e transparência do mercado.

Face à abrangência das intervenções no acto de construir é fundamental que se definam com objectividade os diferentes actos profissionais, a sua graduação em importância e complexidade, e quais as competências requeridas para a sua prática. Sem pretender condicionar de forma limitadora o exercício profissional, tem que se indexar a prática dos actos profissionais à formação escolar de base, experiência e formação contínua, diferenciando o que é naturalmente diferente, recomendando que os actos mais complexos e de maior responsabilidade sejam praticados pelos mais habilitados para a sua prática.

Por outro lado numa sociedade mais concorrencial e conflituosa, em que por vezes se exacerbam os direitos em detrimento dos deveres, é fundamental enfatizar a defesa dos valores éticos e deontológicos, cujo respeito permitiria em muitos casos evitar grandes problemas. Numa outra dimensão, os desafios para que as realizações se desenvolvam cada vez mais em prazos e condições pouco compatíveis com a qualidade mínima requerida, levam a reflectir e verificar cada vez menos o que se faz, na expectativa que ferramentas informáticas pretensamente potentes, mas cujo funcionalmente muitas vezes se desconhece, ajudem para além do que elas próprias são capazes de fazer.

Por tudo isto parece importante formular estas primeiras recomendações, que se pretendem aprofundar e completar, como forma de promover a melhoria das práticas na construção e na Engenharia. Para além dos aspectos gerais considerados mais importantes, apresentam-se um conjunto de recomendações para o projecto de estruturas, que foram objecto de discussão e validação em sessões promovidas pela Especialização em Estruturas da O.E., nas quais se discutiu a qualidade de projecto. Com efeito, o projecto de estruturas, que no passado constituía um dos actos mais prestigiados da Engenharia Civil, tem visto a sua importância progressivamente reduzida, verificando-se infelizmente que há um número expressivo de projectos com qualidade inferior à recomendável. Este facto radica-se em múltiplas causas, algumas delas as gerais já referidas, mas também um menor controlo deste tipo de projectos, comparativamente a projectos que visam assegurar outras exigências das construções com requisitos mais apertados, quer nas competências requeridas para a sua prática, quer na verificação e controlo dos mesmos. Por este conjunto de razões pareceu-nos importante começar pelos projectos de estruturas, estando previsto estender estas recomendações a outros projectos.

2. Recomendações Gerais

2.1 Ética

Significativa parte das causas de projectos deficientes têm na sua base o não cumprimento da Deontologia Profissional, título integrante do “Estatuto da Ordem dos Engenheiros” (“EOE”) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/92 de 30 de Junho.

A não observância das disposições nele contidas constitui obviamente uma falta deontológica. Nos pontos que se seguem são dadas recomendações que resultam directa ou indirectamente do estipulado nos artigos 86.º a 89.º do “EOE”, como, por exemplo:

“É dever fundamental do engenheiro possuir uma boa preparação.” (Art.º 86.º-1);

“O engenheiro não deve aceitar trabalhos ou exercer funções que ultrapassem a sua competência ou exijam mais tempo do que aquele que disponha” (Art.º 88.º-4);

“O engenheiro deve garantir a segurança. dos utentes.”(Art.º 86.º-3).

2.2 Qualificação

A qualificação inclui simultaneamente a formação e a experiência. Se a formação desempenha papel fulcral no bom projecto (decorrendo do nível de ensino, da sua qualidade e da sua continuidade no tempo), a exigência da adequação da experiência à complexidade e dimensão de um determinado projecto não é secundária e sem ela resulta inevitavelmente um projecto deficiente, com o prejuízo da segurança e da economia.

Daqui decorrem as seguintes recomendações específicas:

a) Exigência na qualificação do projectista (nível e qualidade das habilitações académicas);

b) Incentivo à formação contínua;

c) Adequação das qualificações e da experiência do projectista às especificidades da obra, em particular no que respeita à dificuldade de concepção e ao volume de construção.

2.3 Ferramentas Informáticas

A utilização intensiva e sem critério dos programas de cálculo automático disponíveis no mercado tem-se revelado uma das principais causas de projectos deficientes, com consequências importantes nas condições de segurança e de utilização das construções.

Alguns programas de cálculo são fornecidos sem manuais de utilização em português, não oferecem a adequada assistência técnica e não estão em conformidade com a regulamentação nacional. Afigura-se provavelmente como necessária uma “certificação”, por entidade idónea, dos programas comerciais de análise e cálculo estrutural.

Na utilização do cálculo automático, deve ter-se em atenção que:

a) O “software” é uma mera mas sofisticada ferramenta de cálculo que induz, pela sua sofisticação, excessiva confiança ao utilizador;

b) Um cálculo automático, como qualquer outro, só conduzirá a resultados correctos se for correcto o modelo estrutural adoptado;

c) O recurso ao cálculo automático deve ser criterioso e ser alvo de atento e estrito controlo nas fases de modulação, de definição e introdução das acções e dos dados geométricos e mecânicos da estrutura.

2.4 Controlo e Garantias

2.4.1 Revisão do Projecto

A Revisão de Projecto constitui uma actividade fundamental do controlo de qualidade e deve ser exercida, no estrito cumprimento da deontologia profissional (Art.º 87.º-3; 88.º-1, 6 e 7; 89.º-2 e 4 do “EOE”), com um nível associado a uma classe de risco e por técnicos independentes e experientes. Deve centrar-se prioritariamente na componente da concepção e modelação estrutural e incluir entre outras as seguintes acções:

a) Avaliação da qualidade e exequibilidade das soluções de projecto;

b) Análise da adequação das especificações técnicas;

c) Verificação da consistência, da compatibilidade e da suficiência da informação para construção, nomeadamente no domínio da informação geotécnica;

d) Garantia da coerência entre as peças do projecto e da compatibilidade das soluções estruturais com os requisitos das outras áreas disciplinares.

2.4.2 Implementação de um “Seguro de Projecto”

2.4.3 Criação de um “Sistema Integrado de Certificação da Construção”

3. Recomendações Específicas para o Projecto de Estruturas

3.1 Organização do projecto e da respectiva equipa.

a) Completa e correcta constituição das peças de projecto (escritas e desenhadas), correspondentes a cada fase de projecto (por exemplo, em conformidade com o estipulado nas “Instruções para o Cálculo de Honorários”, à data em revisão pelo Governo);

b) Elaboração de adequada “Memória Descritiva e Justificativa” do projecto, de modo a permitir uma clara identificação e verificação dos dados e soluções do projecto, muito em particular dos modelos e acções adoptados no cálculo automático;

c) Direcção, enquadramento e coordenação das equipas de projecto, constituídas em função das especificidades da construção;

d) Valorização da acção do Coordenador do projecto;

e) Implementação de um sistema, mesmo que expedito, de verificação das peças de projecto antes da sua emissão e posterior avaliação da sua conformidade e suficiência para efeitos construtivos;

f) Elaboração de especificações e de peças desenhadas relativas a condições de execução;

g) Especificação e eventual pormenorização de elementos não estruturais.

3.2 Graduação dos actos de engenharia de estruturas

Em função dos graus de exigência e de complexidade e com o objectivo do seu exercício ser limitado a profissionais com a necessária qualificação, deve ser efectuada uma graduação dos actos de engenharia de estruturas.

3.2.1 Projectos de estruturas de elevada complexidade ou que envolvam o recurso a técnicas construtivas ou materiais de construção não correntes ou que tenham exigências acrescidas no domínio da segurança de pessoas e bens. Em particular e a título indicativo:

i) Edifícios urbanos: com um número de pisos igual ou superior a 15 (quinze) ou com vãos típicos superiores a 8m ou com estruturas de configuração irregular (em planta ou em altura) ou com a menor dimensão em planta igual ou superior a 100m ou com concentração de massas em altura ou com apoios de natureza especial.

ii) Obras de Arte: com vãos iguais ou superiores a 50 m ou do tipo suspensas/atirantadas ou com processos construtivos especiais (auto lançadas, por avanços sucessivos, de cimbres móveis) ou com curvatura acentuada em planta (raios de ordem inferior a 200m).

iii) Reservatórios e silos : de diâmetro igual ou superior a 8m ou altura igual ou superior a 30m.

iv) Túneis.

v) Obras de contenção de terras: de altura igual ou superior a 10m.

vi) Torres, mastros e chaminés: de altura superior a 50m.

vii) Outras obras especiais.

3.2.2 Coordenação ou chefia de equipas de projectos de estruturas referidas em i).

3.2.3 Revisão ou verificação de projectos de estruturas referidas em i).

3.2.4 Peritagem e reforço de estruturas: edifícios referidos em i), edifícios históricos ou classificados ou de construção de alvenaria com mais de 4 (quatro) pisos ou de construção “de gaiola”; obras de arte com vãos iguais ou superiores a 15m; reservatórios e silos; obras de contenção e/ou de fundação.

OE, 29 de Outubro de 2008




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